sexta-feira, 29 de junho de 2012

Na Encruza com Exú, Dionísio e Shiva


George Sander - Visconde de Mauá 29 de abril de 2012.

Atravessado por estados de liminaridade¹ entre zonas fronteiriças do que se é, à julgo, profanas e sagradas. Não se diga a sacralização do profano, nem sequer a profanação do sagrado. Momentos de permeação, que dialogam ao corpo e que, trazidas nas costas da escuridão dentro de nós, como que coagindo, a retratarmo-nos em seu estado mais insólito, depreciado e visceral.
Revisitar-se, movendo direta (e positivamente) com as vísceras, o sexo, a libido (Eros) residindo o risco exponencial de sair-se "fora do controle". É em Hijikata e em sua dança das trevas [Ankoku buto]² - que nos atravessam por suas cartografias dos movimentos de morte, ancestralidade e putrefação- que descobrimos esse corpo-cadáver- através de uma investigação de corporeidades, movimentos e códigos perante a cosmogonia dos povos da rua: malandros, exus e pombas-gira da Cultura Africana e Afro-brasileira.

Corporear através dos fluxos incessantes dos pensamentos-imagens³ atentos ao fato de que as fronteiras não obedecem a limites geopolíticos, é estar a procura de novas possibilidades recombinantes das chamadas geografias imaginativas. É reconhecer que o transito do corpo com o ambiente, como a porta dessas conexões, pode nos levar a um não território bastante complexo : o das intermediações.

Vívido de múltiplos escárnios, decompondo-se entre estranhos ritos-espetáculos de nossa miséria e marginalização, o corpo-recusatorna-se mediador transpassado pelos interstícios da cidade à margem. Intestinos do corpo social. Espinhos estilhaçados espalhados nos becos, pontes, noites a fim, a imergir nas calçadas-dormitórios os bêbados, moradores de rua, drogados, mendigos, vagabundos, crianças-cabides, prostitutas... Tabus consórcios à vista grossa de morte psíquica, física e social. Exú limiar entre vícios, prazeres, degradação.

 ¿De que lado estar dessa encruzilhada aberta aos seres despachados¿

Através da contradição e o peso da vida há uma expansão de nossos sentimentos, desejos e decepções mais profundos, estes por sua vez de naturezas intrapsíquica e exterior, o homem se revela em suas necessidades básicas e desejos, poder e entendimento.
Neste novo dia que começa à meia-noite, somos todos Exús, Dionísio e Shiva que zombam das regras morais e da ordem social (zombam e riem-se !) opondo-se à ambição destruidora da cidade e ao moralismo enganador que a dissimula. Religare a Natureza e o Eros. Mitos como rememoração - alusão ao corpo-cadáver que não pode mais lutar contra o aniquilamento de suas forças. Sacralização do Mundano pois é preciso brincar com a vida para assim, combater com eficácia a própria morte¹.

Dança-Epifania de 8 giras em Afro-Butoh¹¹ na encruzilhada beira-rio Paraíba do Sul (...) de joelhos ligeiramente dobrados, os pés plantados no chão, as mãos nos quadris, o pescoço esticado, a cabeça arremessada para trás e a boca aberta num sorriso indiscreto ou, as vezes, saboreando uma sonora gargalhada... imantados por sonoridades urbanas, corpos que compactuavam com a atmosfera nua e crua da madrugada de poucos transeuntes, gritos dispares, mendigos, menores de rua, bêbados, carros... alguns compactuaram seus corpos, cigarros, risadas, bebidas, prazeres... Dança se fez carne-escárnio! Louvação.

Afrofuturismo¹². Exú-Samurai. Afro-Butoh.



Reflexão acerca do Espetáculo "Na Encruza" realizado em 21 de janeiro de 2012 em homenagem ao butoísta Tatsumi Hijikata e Exú.

1.Liminaridade é um estado subjetivo, de ordem psicológica, neurológica ou metafísica, consciente ou inconsciente, de estar no limite ou entre dois estados diferentes de existência. A liminaridade, ou fase liminar, é a fase intermediária entre o distanciamento e a reaproximação em que as características do indivíduo que está transitando são ambíguas, misturando sagrado e profano. E que os ritos de passagem se dão com uma simples ida para o estado sagrado e, posteriormente, a volta ao estado profano original. [Liminaridade e Communitas em Victor Turner]
2. Ankoku buto - dança das trevas, criada em 1959 por Tatsumi Hijikata, em Tóquio, Japão. O Butô entendia as ações das leis físicas sobre o corpo morto e seus processos naturais de decomposição como modo de afirmação da vida em seu sentido ampliado: replicação e continuidade. ["O Teatro Nô e o Ocidente". Christine Greiner. Annablume-FAPESP. 2000. pág.94-95].
3. Segundo o neurocientista Antônio Damásio, as imagens são construídas quando se mobiliza objetos (pessoas, coisas, lugares etc ), de fora do cérebro para dentro e também quando reconstruímos objetos a partir da memória e imaginação, ou seja, de dentro para fora.[ "O Corpo - pistas para estudos indisciplinares"- Christine Greiner- Annablume. 2005]
4. Edward W. Said em "Orientalismo , o Oriente como invenção do Ocidente" - [Cia das Letras. 1996]. Said completa a discussão sobre o fluxo de informações, chamando a atenção para o fato de que as fronteiras nunca obedecem a limites geopolíticos, mas antes de mais nada estão nas possibilidades de reinvenção e remapeamento incessante, das chamadas geografias imaginativas.
5. Corpo-recusa . Fabiane Moraes Borges em "Domínios do Demasiado". 2010.Editora Hucitec- SP.
6.  “Exu, símbolo da descendência, da intercomunicação e da participação, assim como da sexualidade ou fertilidade, não é apenas uma divindade estruturada, mas um princípio estruturante do universo. No pensamento religioso africano, Exu está relacionado ao número 1 (um), ou seja, o acréscimo que propicia a continuidade e a dinâmica dos fenômenos(...) O Exu existente em cada indivíduo confere-lhe a sua identidade terrena e cósmica(...) Os homens, através de Exu, atuam no mundo, rompem as barreiras que limitam a sua realização, transgridem algumas vezes as normas e valores da cultura dominante, na procura de uma nova ordem que traduza os seus anseios e aspirações” (Liana Trindade – “Exu: Poder e Magia”).
7. Na concepção filosófica de muitas culturas africanas , assim como nas religiões afro-brasileiras, a encruzilhada é o lugar sagrado das intermediações entre sistemas e instâncias de conhecimentos diversos, sendo frequentemente traduzidas por um cosmograma que aponta para um movimento circular do cosmos e do espírito humano que gravitam na circunferência de suas linhas de interseção(...). Operadora de linguagens e de discurso, as encruzilhadas, como lugar terceiro, é geratriz de produção sígnica diversificada e, portanto, de sentidos plurais.[ Leda Martins em "Performance do tempo e da memória - os congados". O Percevejo nº 12. 2003. UNIRIO] 
8. Alain Daniélou . "Shiva e Dionísio- A religião da Natureza e do Eros".[ Ed. Martins Fontes - SP. 1989. pág 85-96]
9.  "Mito como narrativa, mito como rememoração, mito como alusão, mito como celebração, mito como locus da hierofania, pré-logos, derivação, parábola, metáfora - mito como uma postura, (...) enquanto narrativa, a fala do mito, verbalizada ou na via da escrita, implica signagens derivativas. A cena mítica, momento de permeação ou reapresentação do fenômeno primeiro, investe-se pelo seu caráter direto com a experiência, plena de visibilidade e sensória, de uma potência superior as narrativas (...).Renato Cohen em "Work in progress na cena contemporânea" - [Ed. Perspectiva -SP. 1998.pág 65.]
10.  Como bem observou Zeca Ligiéro (2004), “Seu Zé, com seu humor iconoclasta nos lembra de que na origem da tragédia havia Dionísio, era preciso brincar com a vida para, assim, combater com eficácia a própria morte”. "Malandro divino." Nova Era, RJ. 2004.
11. Afro-Butoh é uma pesquisa estética em dança contemporânea que associa a dança Butoh e sua pesquisa corporal - de origem japonesa, nascida na década de 50- juntamente a uma estética e percepção cosmogônica da Cultura Africana. Desde os anos 90 desenvolvida e investigada pelo diretor Calé Miranda e a pesquisadora Cátia Costa e pela Cia da Ação em seus trabalhos e treinamentos psicofísicos. [nota do autor]
12. O termo Afrofuturismo , pelo autor, aqui livremente associado, refere-se aos perceptos refletidos no livro de Paul Gilroy, "O Atlântico Negro : Modernidade e dupla consciencia". 2001, e prefaciados pela antropóloga Eufrázia Cristina Menezes Santos em  Rev. Antropol. vol.45 no.1 São Paulo  2002
termo este, que se refere metaforicamente às estruturas transnacionais criadas na modernidade que se desenvolveram e deram origem a um sistema de comunicações globais marcado por fluxos e trocas culturais. A formação dessa rede possibilitou às populações negras durante a diáspora africana formarem uma cultura que não pode ser identificada exclusivamente como caribenha, africana, americana, ou britânica, mas todas elas ao mesmo tempo. Trata-se da cultura do Atlântico Negro, uma cultura que pelo seu caráter híbrido não se encontra circunscrita às fronteiras étnicas ou nacionais.Na formação de uma transcultura negra que possa relacionar, combinar e unir as experiências e os interesses dos negros em várias partes do mundo.


 Georger Sander

 Mônica Izidoro

 Saulo Gomes

 Calé Miranda

 Carla Biolchini

 Fátima Colin

 Kátia Kirino

 Mariana Quinteiro

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

MINHAS CRISES E O CORPO EM CRISE

Por: Kátia Kirino

Este texto tem como objetivo a minha reflexão pessoal acerca da Performance “Orum-Ayê-Orum”. Para norteá-la, não utilizei um referencial teórico, parti apenas de alguns levantamentos internos: como me senti, como interagi com os colegas atores e com a platéia, o que penso sobre performance, mitologia afro brasileira e butoh.
Para mim, toda experiência artística é um mergulho dentro de si. Vejo, sinto e vivo a arte como uma ponte para o desenvolvimento de múltiplas habilidades, entre elas, a que mais me atrai é o autoconhecimento. Desde que nascemos somos separados da nossa essência primitiva para aprender o convívio social e suas regras. Ao longo da vida, somos levados a acreditar em um determinado Deus, somos impelidos a um comportamento social que não aceita o “diferente”, somos medidos mais pelo que temos ou podemos ter do que pelo que somos ou podemos ser. Ser é apenas uma idealização do consumo, um apelo da imagem.
Mas o ser humano tem sim seu lado primitivo, sua essência primordial, que nos distingue de outros seres humanos e nos joga nesta contradição entre a consciência coletiva e a consciência individual. Sempre que existe uma brecha, esta natureza primitiva revela-se e nos alimenta daquilo que verdadeiramente somos. A arte tem este caminho para mim. Ele não só dá brechas, como abre as portas e as janelas para outra percepção de mundo. É neste mundo que consigo me encontrar e dançar comigo mesma e com os outros.
Sobre a entrada do butoh na minha história: Em janeiro de 2010, eu estava me dedicando à dança do ventre, e pude participar do workshop “Orixás Urbanos”, da “Cia. Da Ação!”. O workshop teve um impacto na minha vida que só fui perceber tempos depois, quando comecei a tentar juntar o butoh e dança afro com a dança do ventre, a dança do ventre com forró, o butoh com o clown e por aí adiante. Pode parecer confuso, mas aquilo tudo ficou marcado no meu corpo, na minha mente e na minha alma.
É-me difícil mudar os padrões dos meus movimentos e dos meus pensamentos. Como deixar de fazer movimentos belos e circulares para ficar me estrebuchando e fazendo caretas? Como deixar o corpo mandar no movimento ao invés da mente? Ainda são esses meus maiores desafios. Por outro lado, ao entender que o butoh é uma expressão da crise do corpo, da luz e da sombra, uma dança de tensões, passo logo a entender e buscar meus padrões corporais que evocam esta crise, esta tensão, tudo que está escondido na escuridão de uma sombra de uma vida toda. Particularmente esta proposta me levou aos maiores conflitos que tenho com meu corpo: as dores, os desvios de coluna, a auto-imagem e a limitação da capacidade de expressão corporal. É dolorido mas é necessário, e o resultado é algo que vai além da minha percepção, pois alcança outras pessoas como expressão artística.
Em relação à mitologia afro brasileira, tenho muita curiosidade artística. Reconheço o candomblé como religião e tenho um respeito enorme com seus ritos e crenças, mas confesso que conheço pouco desta religião, assim como grande parte da população cristã do país. Além de pouco conhecimento, existe muita discriminação e muito charlatanismo que denigrem a imagem desta religião. Como mitologia, é de uma riqueza imensurável. A história do candomblé é a história do Brasil. Mesmo assim, é uma mitologia que não tem o espaço que merece na nossa sociedade. As representações, os símbolos, as danças, as cores, as histórias e as músicas possuem um potencial artístico muito grande, que fascina a cada descoberta e a cada identificação.
Sobre a identificação, acabei me deixando levar pelas águas do mar, pelas mãos da grande Mãe Iemanjá. Acredito que isso se deu por uma série de fatores: as cores que a representam, os símbolos que a cercam, sua história, sua ligação com o elemento água, suas características como beleza, leveza, altivez, força e seu arquétipo de grande mãe dos orixás, aquela que gera a vida, que oferece o alimento, que é fecunda.
Acredito que existe um histórico débito da nossa sociedade com a mitologia afro brasileira. Este resgate é urgente e necessário, pois a identidade cultural e religiosa de um povo não deve viver na subalternidade.  Sinto-me prestigiada ao ter a oportunidade de fazer esta bela homenagem ao povo dos Orixás!
Já a Performance é uma manifestação artística que muito me atrai pelo fato de extravasar as salas e paredes dos museus, por ter o corpo como instrumento de arte, por ter um fundamento de subversão do status “quo”, na medida em que os seus praticantes sempre buscam uma interferência, uma mudança do ambiente através de uma práxis, ou seja: uma ação com conteúdo, com intenção. Performar é para mim um ato de liberdade, um ato de aproximação com o expectador, uma forma de arte completa.
A Performance “Orum-Ayê-Orum” foi um presente que ganhei do grupo participante do Experimento Afro-Butoh. Primeiro porque o trabalho foi feito de corpo, mente, alma e coração. A força da intenção do ato, contida na perspectiva do butoh, torna tudo muito intenso. A energia e a sinergia do grupo foram vivenciadas fisicamente, vibrantes e cheias de cores. A reação de estranhamento, perplexidade e curiosidade do público me levam a considerar que algo os tocou, algo dentro de cada um saiu de um lugar para o outro.
Senti algumas das minhas limitações durante a execução da performance, como as dores fortes no joelho, a timidez e a insegurança. Mas tentei utilizar tudo isso em alimento para ela, afinal, é a dança das tensões, da escuridão. Iemanjá me deu movimentos de água e de leveza, outras vezes de fluidez violenta. Deu-me a “beleza” de suas formas e cores para que eu pudesse criar um figurino minimalista, apesar de brilhante. Aprendi que o grupo é a maior liderança da performance, não adianta querer ser apenas autoral neste tipo de trabalho. Cada integrante possui sua própria forma de trabalhar a dança, forma esta criativa e pessoal, mas acredito que o grupo conseguiu fazer a ponte entre o pessoal e o coletivo.
Para finalizar, falo rapidamente de uma performance que apresentei no Projeto Desperdício Zero – 3ª edição/ 2011 do Ateliê Porto das Artes. Nesta apresentação, me propus a dançar uma poesia que eu escrevi há cerca de 6 (seis) anos atrás e reescrevi este ano, baseada nas minhas impressões sobre o meu desenvolvimento pessoal junto ao grupo do Experimento afro-butoh. A poesia foi escrita em volta de um espelho e a performance foi executada em frente a ele.


OLHOS LÍQUIDOS
Meus olhos líquidos
Têm a cor verde do mar
Onde derramo toda noite
Minha sede de amor

Meu olhar de cortina d’água
Cai em queda livre
Desliza na areia do mar...
Ouço a espuma sussurrar:

SSSSSSSSSSSsssssssss....
Silêncio. Ela quer dizer

Os olhos derramam lágrimas
Que borram a face de negro
Tinge-se o cristalino espelho
No qual vejo meu oposto similar

Apenas um corpo dançando?
Uma dança que expande no ar?

Um corpo que é rocha inerte
Nunca pára de dançar

Kátia Kirino - Performer

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

EM BUSCA DE UM TEMA, UM MOTIVO, UM ASSUNTO PARA CRIAR UM ESPETÁCULO

Calé Miranda - Performance Orum-Ayê-Orum
Por Calé Miranda


Nosso experimento começou sem pretensão. Éramos 7, na verdade um grupo de 7 performers + um diretor, todos interessados em explorar minhas idéias- até então particulares- sobre as possibilidades de fazer dialogar mitologia afro-brasileira e butoh japonês. Quase sem querer criamos a performance “Orum-Ayê-Orum”, que temos o prazer de seguir apresentando em diferentes lugares. Estes quatro primeiros meses serviram como introdutórios de uma disciplina até então desconhecida pela maioria do grupo. Hoje o grupo conta com onze performers e continuam os pedidos de gente interessada em experimentar o afro-butoh conosco. Quase sempre aceitamos este pedido uma vez que o trabalho é tão pessoal e intenso e o grupo é tão absorvente que o candidato ou desiste na segunda aula ou considera-se no grupo “desde criancinha”.

Partimos agora para uma nova fase: vamos realizar quatro workshops temáticos a fim de descobrir um possível assunto para pesquisa de espetáculo. Pretendemos a cada quatro semanas nos aprofundar num assunto determinado, estudando o tema em nossos corpos e na teoria, recebendo palestrantes e oficineiros, enfim, experimentando ao máximo o embrião de um possível espetáculo afro-butoh.

O primeiro workshop será: “Povo da Rua”. Estudaremos os Exus e seus significados, o caminho, a mensagem, a palavra, a esperteza. Exploraremos o universo de Pombagiras, Malandros, Zés, Ciganas; suas relações com a festa, o prazer, a musica, a ginga. Numa lembrança rápida temos a imagem de samurais e gueixas, sem-teto japoneses, sobreviventes da bomba. Cachaça e saquê, que tipo de drink isto vai dar¿ Não sabemos, mas estamos ávidos para experimentar.

Afro-butoh, Osho e a inutilidade da criação

Por Carla Biolchini

         O que me vem à memória, do momento da performance, é a reação da platéia e seu visível incomodo por ver algo que não se explica, as frases ouvidas foram diversas e divertidas, tipo: “até agora ainda não aconteceu nada, senti um incomodo que me fez parar de olhar, o que eles estão fazendo?”  “As crianças podem ver isto?” “ Nossa esta é a que me dá mais medo“, e por aí vai.
         A minha sensação era de que fazíamos algo completamente fora da compreensão de quem via, e inexplicável para quem performava, sentia-me feliz por fazer, muito feliz, havia em mim muita satisfação.
Não consigo definir o que realmente fazemos, sinto que não há certezas imutáveis neste conceito, afro- butoh para mim hoje é um experimento sensorial único, complexo, coletivo e particular.
         Há uma parábola do tarô do Osho que senti vontade de reler assim que cheguei da apresentação, ela descreve bem próximo do que hoje sinto ser o estudo do afro- butoh e as impressões vividas em mim. Foi interessante recorrer à leitura dela e associar ao nosso estudo, sinto conter aí muito butoh. Transcrevo abaixo para apreciação de todos com destaque pessoal sublinhado.

Valor
Não tente provar seu valor, reduzindo a si mesmo a uma mercadoria. Lembre-se, a maior experiência da vida não vem através do que você faz, mas através do amor, da meditação.

Lao Tzu e seus discípulos estavam viajando e chegaram a uma floresta onde centenas de lenhadores cortavam árvores. Toda floresta havia sido cortada, exceto uma grande árvore com milhares de galhos. Ela era tão grande que dez mil pessoas podiam se sentar sob sua sombra.
Lao Tzu pediu a seus discípulos que fossem perguntar por que aquela árvore foi poupada. Eles foram e perguntaram aos lenhadores, que disseram: “Essa árvore é absolutamente imprestável. Nada se pode fazer com ela, pois seus galhos têm muitos nós - nada é reto nela. Não podemos usá-la como lenha porque a fumaça é perigosa para os olhos. Essa árvore é absolutamente imprestável, por isto não a cortamos”.
Os discípulos voltaram e contaram a Lao Tzu. Ele riu e disse: “sejam como essa árvore. Se forem úteis, serão cortados e se tornarão mobília na casa de alguém. Se forem belos, serão vendidos no mercado, se tornarão uma mercadoria. Sejam como essa árvore, absolutamente inúteis... E então crescerão grandes e amplos, e milhares de pessoas encontrarão sombra sob vocês“.

Lao Tzu tem uma lógica completamente diferente da sua. Ele diz : seja o último, mova-se no mundo como se você não existisse, não seja competitivo, não tente provar seu valor - não há necessidade. Permaneça inútil e desfrute.


Tao. The Three Treasures 
 Vol. 1, págs 69-71                                                                             
 
 Medimos as pessoas pela sua utilidade. E não estou dizendo para nada fazermos de útil.  Faça coisas úteis, mas lembre-se que a verdadeira e maior experiência da vida e do êxtase vem ao se fazer o que não tem utilidade, ela vem através da poesia, da pintura, do amor, da meditação. O maior contentamento flui somente quando você é capaz de fazer algo que não pode ser reduzido a uma mercadoria. A recompensa é interior, intrínseca; ela nasce da própria atividade.
Assim de você se sente inútil, não se preocupe usarei sua inutilidade também farei de você uma árvore enorme, repleta de folhas. E as pessoas que estão envolvidas em atividades úteis precisarão, às vezes, descansar à sombra.

The Wisdom of the Sands  (A sabedoria das areias)                                                                                                    Vol. 2, págs. 308-309, 311-312

Carla Biolchini - Performance Orum-Ayê-Orum

                                                                                                     
A recompensa é interior, intrínseca; ela nasce da própria atividade.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Performance"Orum-Ayê-Orum" - Festival de Teatro de Resende/ Edição 2011











Kátia Quirino

Katia Quirino- performer

assistente social radicada em Resende desde 1999. Produtora Cultural da ONG Oito Deitado de 2005 a 2009, e do Projeto Câmara Cultural desde 2008, onde também atua em diversos saraus, leituras dramatizadas e apresentações musicais, exposições de artes visuais, como produtora e atriz.  Formou-se em dança do ventre (nível intermediário) na CIA de Danças Árabes Najma Dahabi.  Participou do workshop Orixás Urbanos da CIA AÇÃO em 2010, com a Direção de Calé Miranda, cujo produto foi uma performance apresentada na Ponte velha em Resende. Neste mesmo ano, realizou diversos cursos para experimentar a arte do clown, donde surgiu o Grupo LOS OKOS e o espetáculo "Noite de Gala", apresentado em Resende e Penedo, onde protagoniza a palhaça Valeska Vall, com humor ácido e engajado.