Por Carla Biolchini
O que me vem à memória, do momento da performance, é a reação da platéia e seu visível incomodo por ver algo que não se explica, as frases ouvidas foram diversas e divertidas, tipo: “até agora ainda não aconteceu nada, senti um incomodo que me fez parar de olhar, o que eles estão fazendo?” “As crianças podem ver isto?” “ Nossa esta é a que me dá mais medo“, e por aí vai.
A minha sensação era de que fazíamos algo completamente fora da compreensão de quem via, e inexplicável para quem performava, sentia-me feliz por fazer, muito feliz, havia em mim muita satisfação.
Não consigo definir o que realmente fazemos, sinto que não há certezas imutáveis neste conceito, afro- butoh para mim hoje é um experimento sensorial único, complexo, coletivo e particular.
Há uma parábola do tarô do Osho que senti vontade de reler assim que cheguei da apresentação, ela descreve bem próximo do que hoje sinto ser o estudo do afro- butoh e as impressões vividas em mim. Foi interessante recorrer à leitura dela e associar ao nosso estudo, sinto conter aí muito butoh. Transcrevo abaixo para apreciação de todos com destaque pessoal sublinhado.
Valor
Não tente provar seu valor, reduzindo a si mesmo a uma mercadoria. Lembre-se, a maior experiência da vida não vem através do que você faz, mas através do amor, da meditação.
Lao Tzu e seus discípulos estavam viajando e chegaram a uma floresta onde centenas de lenhadores cortavam árvores. Toda floresta havia sido cortada, exceto uma grande árvore com milhares de galhos. Ela era tão grande que dez mil pessoas podiam se sentar sob sua sombra.
Lao Tzu pediu a seus discípulos que fossem perguntar por que aquela árvore foi poupada. Eles foram e perguntaram aos lenhadores, que disseram: “Essa árvore é absolutamente imprestável. Nada se pode fazer com ela, pois seus galhos têm muitos nós - nada é reto nela. Não podemos usá-la como lenha porque a fumaça é perigosa para os olhos. Essa árvore é absolutamente imprestável, por isto não a cortamos”.
Os discípulos voltaram e contaram a Lao Tzu. Ele riu e disse: “sejam como essa árvore. Se forem úteis, serão cortados e se tornarão mobília na casa de alguém. Se forem belos, serão vendidos no mercado, se tornarão uma mercadoria. Sejam como essa árvore, absolutamente inúteis... E então crescerão grandes e amplos, e milhares de pessoas encontrarão sombra sob vocês“.
Lao Tzu tem uma lógica completamente diferente da sua. Ele diz : seja o último, mova-se no mundo como se você não existisse, não seja competitivo, não tente provar seu valor - não há necessidade. Permaneça inútil e desfrute.
Tao. The Three Treasures
Vol. 1, págs 69-71
Medimos as pessoas pela sua utilidade. E não estou dizendo para nada fazermos de útil. Faça coisas úteis, mas lembre-se que a verdadeira e maior experiência da vida e do êxtase vem ao se fazer o que não tem utilidade, ela vem através da poesia, da pintura, do amor, da meditação. O maior contentamento flui somente quando você é capaz de fazer algo que não pode ser reduzido a uma mercadoria. A recompensa é interior, intrínseca; ela nasce da própria atividade.
Assim de você se sente inútil, não se preocupe usarei sua inutilidade também farei de você uma árvore enorme, repleta de folhas. E as pessoas que estão envolvidas em atividades úteis precisarão, às vezes, descansar à sombra.
The Wisdom of the Sands (A sabedoria das areias) Vol. 2, págs. 308-309, 311-312
Carla Biolchini - Performance Orum-Ayê-Orum |
A recompensa é interior, intrínseca; ela nasce da própria atividade.
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